segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Imprensa Alternativa*


Os anos 1960-1970 representaram um momento singular em nossa história. Coube à imprensa alternativa registrar os acontecimentos nos círculos do poder, no seio da sociedade civil e entre os movimentos de base e organizações populares.

Os pólos de resistência ao regime político implantado em 1964 faziam surgir veículos de comunicação que difundiam as perspectivas de suas lutas. Esses veículos eram alternativas à grande imprensa, ou imprensa empresarial, quase sempre voltada para os interesses da classe dominante. Os protagonistas dessa corajosa pequena imprensa eram os intelectuais de oposição, os grupos partidários, as Comunidades Eclesiais de Base (CEB), as Associações de Moradores, Sociedades de Amigos de Bairros dentre outros grupos populares.

O fenômeno da imprensa alternativa representa um momento histórico que rompe as fronteiras nacionais e se constitui num acontecimento de década. As rebeliões políticas e culturais ocorridas em várias partes do mundo na segunda metade da década de 1960 favoreceram ao surgimento de uma imprensa contestadora ao poder estabelecido. Vale ressaltar que a imprensa alternativa assumiu características próprias em cada país, de acordo com sua estrutura política e social. Na América Latina, ela teve um perfil de resistência política, impulsionada pela realidade autoritária que se impunha ao continente.

No Brasil, o poder militar, sobretudo a partir da decretação do Ato Institucional n° 5 (AI-5), cerceava o direito à livre expressão aos políticos, intelectuais e organizações sociais por meio de cassação de mandatos parlamentares e da censura aos meios de comunicação de massa e manifestações culturais. Com a grande imprensa sob vigilância ou comprometida com o poder, restava a esses grupos criar formas alternativas de comunicação como instrumento de com­bate e crítica ao regime político. Resistir e denunciar eram atos de bravura e afirmação ideológica, numa luta contra um esquema montado para a repressão, que em muitos casos chegou a levar à tortura e à morte políticos, trabalhadores, intelectuais e jornalistas.

Em 1969 surge o tablóide que se tornou um dos principais símbolos dessa resistência. Fundado por jornalistas situados no Rio de Janeiro O Pasquim – depois chamado simplesmente de Pasquim - tinha nomes representativos como Ziraldo, Jaguar, Ivan Lessa, Henfil, Millôr Fernandes, que faziam de forma radical e renovadora a crítica aos destinos obscuros da sociedade brasileira, por meio de artigos e principalmente muito humor. A charge e a crítica implacável dos articulistas moldaram a feição do jornal, que chegou a ser considerado um marco da imprensa no Brasil.

Antecedendo o surgimento de O Pasquim, porém, existiu entre 1964 e 1968 um tipo de publicação nos mesmos moldes da imprensa alternativa. Raimundo Rodrigues Pereira afirma que nesse período havia no país uma imprensa democrática, nacionalista e popular de resistência ao modelo político em implantação. São exemplos dessas publicações o jornal Pif-Paf, comandado por Millôr Fernandes; o semanário Reunião, do empresário nacionalista Ênio da Silveira; Fato Novo, ligado a nacionalistas de São Paulo; e Amanhã, semanário para os trabalhadores feito por estudantes da Faculdade de Filosofia, de São Paulo
[1].

O advento do AI-5 em dezembro de 1968 e o fechamento ainda maior do regime político obrigaram os intelectuais de esquerda e organizações populares a seguirem o caminho da clandestinidade, impulsionando a radicalização de alguns setores que se decidiram pela guerrilha urbana e rural. Outro setor, ligado à imprensa, restringiu-se à edição de panfletos e tablóides semanais, mensais ou mesmo sem periodicidade.

Esses jornais de pequenas tiragens e distribuição precária muitas vezes não conseguiam ultrapassar meia dúzia de edições. Apesar disso, eles representaram o maior fórum de debates sobre os principais aspectos da vida brasileira e um momento de tomada de consciência da imprensa nacional.

Um dos principais inimigos dessas publicações e da imprensa comercial foi a censura oficial, que após o AI-5 se instalou nas redações dos jornais. Mas a imprensa alternativa foi particularmente visada pelos atos de censura e repressão: "Repetidamente, censurou-se matérias já publicadas por outros órgãos da imprensa chamada burguesa, como o 'Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo', também vigiados, e como - com a presença dos censores na redação... e, óbvio, o jornal alternativo não as pretendia transcrever, pelo menos integralmente, o que atesta a marcação mais cerrada da dita­dura sobre os tablóides independentes", afirma João Antônio, em artigo no jornal Nicolau[2].

Com o abrandamento do regime a partir de 1975, surgem várias frentes democráticas e populares de oposição, que lançam suas próprias publicações, como os tablóides Opinião e Movimento. Este último foi considerado como o projeto político mais destacado desse tipo de imprensa, com organização interna efetivamente alternativa. Essa nova organização reunia uma Sociedade de trabalhadores do jornal, um Conselho de redação e outro de personalidades políticas, além de representantes de várias correntes de esquerda, empresários nacionalistas e personalidades democráticas liberais.

Foram lançados também alguns jornais em defesa dos direitos das minorias, sendo porta-vozes ou não de movimentos como o feminista, o homossexual, o negro e da causa indígena. O primeiro dentre os jornais feministas foi Brasil-Mulher, formado por uma frente política; em seguida ti­vemos Nós-Mulheres e Mulherio, jornais que tratavam da situação da mulher na sociedade brasileira. Para abordar a homossexualidade, surge o jornal Lampião, lançado em 1978 por jornalistas e artistas do Rio de Janeiro e São Paulo, jogando a discussão da questão homossexual para fora do gueto. Já Porantim, ligado ao Conselho Indiginista Missionário (Cimi), tratava especificamente da questão do índio.

Outra publicação importante surgida nesse período foi Cadernos do Terceiro Mundo, especializada em economia, política, cultura e organização social dos países africanos e latino-americanos. No início editado fora do Brasil, só com a anistia de 1979 a equipe de Cadernos do Terceiro Mundo pode retornar ao país e montar sua sede central, de onde se produzem edições em várias línguas e com circulação internacional.

O progressivo relaxamento da censura na segunda metade da década de 1970 abriu espaço para que a imprensa empresarial enfocasse assuntos antes trata­dos apenas pela imprensa alternativa. Por outro lado, além dos jornais representando as minorias discriminadas, outros surgiram para ampliar a produção da imprensa alternativa brasileira.

Em Belo Horizonte tivemos De Fato, que era um jornal de denúncias. No Rio Grande do Sul foram lançados em 1976 os jornais políticos Posição e Informação. Num projeto político de frente popular que congregava artistas, jornalistas, profissionais e estudantes surgiu em 1977 o jornal Mutirão, no Ceará. Os jornalistas reunidos em cooperativas lançaram Coojornal em Porto Alegre, Jornacoop em Santos, Coojornat em Natal e Concisa em Salvador.

Com maior liberdade para as empresas jornalísticas e a tendência de especialização da imprensa alternativa muitos jornais voltados exclusivamente à política e ao combate ao regime estabelecido foram perdendo es­paço e público. Suas tiragens eram cada vez menores e apresentavam déficit financeiro, sobretudo a partir de 1979 com a Abertura Política, que concluiu o período de distensão do regime. O golpe de misericórdia veio a acontecer em 1980, quando os setores mais radicais da direita, inconformados com a Abertura e a liberdade de ex­pressão, investiram contra os jornaleiros com atentados a bomba às bancas que vendiam esse tipo de publicação.

Se por um lado a Abertura Política trouxe a dispersão das frentes populares e correntes políticas, por outro contribuiu para que surgissem publicações político-partidárias representantes de novas e tradicionais tendências da esquerda. Entre os jornais desses grupos temos Em Tempo, Companheiro, Tribuna da Luta Operária, Voz da Unidade, Hora do Povo, Trabalho e em particular o Jornal dos Trabalhadores, editado pelo Partido dos Trabalhadores. Dentre os partidos oficiais, este foi único jornal de circulação nacional que divulgava a proposta do partido e as lutas populares[3].

Apesar de toda adversidade enfrentada, foi por intermédio da imprensa alternativa que se registrou a história das lutas populares e dos movimentos sociais na década de 1970. Jornais com as mais variadas feições e abordagens como Pato Macho, De Fato, Lampião, Versus, Coojornal, Movi­mento, Posição, Mulherio, Nós-Mulheres, Opinião, O São Paulo, Paralelo, Bondinho, Mutirão etc., com tiragens que variavam entre cinco mil e 200 mil exemplares, como O Pasquim em seu auge, são documentos incontestáveis da intensa participação das classes sociais no panorama histórico da época.

Em síntese, a comunicação alternativa e popular no Brasil registrou três fases distintas nas mudanças políticas, econômicas e sociais, assim como três processos diferentes de comunicação. Na visão de Regina Festa, "a primeira fase, que corresponde ao período de 68 a 78 - entre o AI-5 e a abertura política - caracteriza-se por uma comunicação de resistência, denúncia e acumulação de forças por parte das oposições; a segunda fase, de 78 a 82, período de explosão social, eleições nacionais, abrandamento das restrições políticas, caracteriza-se por projetos políticos bem defini­dos e pela existência de uma comunicação popular, multiplicadora de meios nas bases e pelo quase desapareci­mento da comunicação alternativa; e o terceiro período, de 82-83, caracteriza-se por uma atomização do processo de comunicação popular e alternativa na medida que reflete a incapacidade das forças de oposição para articularem uma alternativa política à crise atual vivida pela sociedade brasileira."[4]


Outras alternativas

Em vários níveis, em grupo ou isoladamente, artistas das mais diversas expressões culturais manifestaram seu descontentamento com o regime militar vigente. Tome­mos como exemplos dessa resistência o Poema-Processo, a Mail Art - ou Arte Postal, ou ainda Arte Correio -, o movimento alternativo de poesia, mais conhecido por Geração Mimeógrafo, as revistas alternativas de Histórias em Quadrinhos e Humor e outras formas de expressão artísticas como o Cinema Novo, o Cinema Udigrudi, happenings teatrais e intervenções de artes plásticas no espaço urbano.

A Geração Mimeógrafo, formada principalmente por jovens excluídos dos projetos editoriais das grandes editoras, ganhava o público no contato direto com o leitor, vendendo seus livretos, impressos de forma artesanal, em bares e portas de teatros. Para Nicolas Behr, um dos expoentes da Geração Mimeógrafo, esta nova forma de produção da obra literária surgiu como os não-alinhados, como uma opção dentro dos três blocos de poesia de vanguarda do início dos anos 1970: Poesia Concreta, Poesia Praxis e Poema Processo.

"Geração Mimeógrafo é, antes de mais nada, uma atitude. Fazemos parte da geração do atalho, vamos pelo desvio e burlamos todo o esquema editorial montado em cima do livro. Quando se edita um livro em mimeógrafo o autor tem condições de manter seu trabalho vivo. Um livro sempre aberto, sempre inacabado"
[5], ressalta Nicolas Behr.

Além do tom quase sempre inflamado, irreverente e questionador da produção literária da Geração Mimeógrafo, os fatores que mais se sobressaem são o domínio sobre a produção, a independência de idéias e o poder de transformação da obra sem os limites ou conveniências editoriais. Assim como a imprensa alternativa voltada para o jornalismo, a Geração Mimeógrafo procurava ser autônoma e contava para isso com a cumplicidade do público.

Por outro lado, por seu caráter artesanal, ela abria a possibilidade de cada leitor se tornar porta-voz de suas próprias idéias. Essa Geração extrapolava os objetivos imediatos do discurso e se trans­formava numa atitude, onde o emissor se confundia com as idéias transmitidas, com o processo de produção e com o público com quem pretendia se comunicar.

Dentre as muitas denominações atribuídas à produção da Geração Mimeógrafo, uma das mais utilizadas, e sem dúvida das mais polêmicas, foi a que a ela se referia como poesia marginal. Sobre o assunto Márcio Almeida comenta, de forma incisiva, a rotulação: "Como em todo início de carreira, também o poeta não tem público. O seu poema é que vai fazê-lo, motivá-lo. Por isso, a experiência do mano a mano é importante. Para se criar um público-leitor, para se buscar a 'outridade' da leitura do poema, para por à prova uma linguagem, para resistir à ideologia capitalista contra o poder dos signos, para sentir a capacidade da interação humana e para melhor posicionar-se como independente, autônomo. Contudo, retifico uma questão: não existe poeta marginal, poesia marginal. Isso é invenção de amebóides. A marginalidade é pro­duto da sociedade, não da poesia."[6]

Mesmo que se questione a utilização do termo poesia marginal, deve­mos observar de antemão o processo de produção e veiculação desses autores frente ao modo de produção das editoras comerciais. Poesia marginal era uma denominação esboçada em seu sentido literal, indicando o que está à margem de um sistema estabelecido.

Glauco Mattoso, considerado um dos maiores poetas dessa geração, enxerga por outro ângulo a questão do rótulo de marginalidade e ressalta que "na verdade, 'marginal' é simplesmente o adjetivo mais usado e conhecido para qualificar o trabalho de de­terminados artistas, também chamados 'independentes' ou 'alternativos' (por comparação com a imprensa 'nanica' teoricamente autônoma em relação à grande imprensa e contestadora em relação ao sistema). Dizer que um poeta é marginal equivale a chamá-lo ainda de 'sórdido' e 'maldito' (por causa da noção de anti-social), mas esses adjetivos soam mais como elogio porque viraram sinônimos de alternativo e independente. Ou seja, o sentido deixa de ser pejorativo e se inverte a favor de quem recebe o rótulo, muito embora alguns dos assim chamados prefiram outros rótulos ou não aceitem nenhum."[7]

De qualquer modo como possamos chamá-los, o importante é que os poetas dos anos 1970 se enquadraram na chamada cultura de resistência, denunciando o estado policial e repressivo que assolava o país. No entanto, como reforça Socorro Trindad, essa resistência era limitada pela resposta do sistema – que sempre pro­punha representações culturais sistematizadas –, e pela forma espontânea e na maioria das vezes desorganizada da produção[8].

Em virtude dessa espontaneidade, "analisar o período e, nele, a atividade literária, pressupõe que se estabeleça a relação existente entre o Estado de Segurança Nacional e a produção artístico-cultural, considerando aí a política de terror encetada pelos governos militares, institucionalizando a censura e até a tortura e a morte, para então poder enquadrar tudo e todos, especialmente os chamados 'inimigos internos', na legislação autoritária e repressiva que passou a vigorar no país a partir de 1964, autodotando os seus governantes de poderes ilimitados. Neste confronto de forças, que resultaria numa luta desigual para os escritores (e os artistas em geral), faz-se necessário ressaltar ainda as contradições engendradas pela censura em relação às suas concepções estéticas, e a partir daí definir até onde a resistência cultural - através da representação formal de livros, periódicos, peças de teatro, músicas, filmes, exposições, etc – foi esgotada ou se esgotou em conseqüência das ordens, contra-ordens e decretos."[9]

Com a mesma iniciativa dos editores das revistas literárias independentes, os cartunistas e quadrinistas, que proliferaram incentivados pelo sucesso de O Pasquim, partiram para a produção de suas próprias revistas. Elas eram impressas em pequenas gráficas e vendidas de mão em mão em universidades, bares, teatros e livrarias especializadas. Com tiragem que não ultrapassava os três mil exemplares, em geral de pequeno formato, com impressão precária e produção artística irregular, essas re­vistas paralelas contavam com o entusiasmo de quem se autoproduzia. Fugindo aos bloqueios e limites do mercado editorial elas abriam espaço para novos artistas, que só aí encontravam liberdade para se expressar.

Os cartuns e os quadrinhos veiculados nas revistas alternativas tinham, também, um marcante conteúdo ideológico de oposição ao regime político da época. Muitos dos quadrinistas faziam parte das vanguardas de movimentos estudantis e diretórios acadêmicos de faculdades de Comunicação e Arquitetura, sendo em grande parte apoiados por estas entidades na produção de suas revistas.

É o caso da lendária revista Balão, que foi a responsável pela formação de toda uma geração de quadrinistas. O exemplo mais eloqüente do amadurecimento dessa geração é o sucesso de Laerte, Paulo Caruso, Angeli, Luis Gê, com suas tiras, charges e histórias em quadrinhos publicadas em livros, revistas e nos principais jornais brasileiros, e mesmo por editoras internacionais.

Balão surgiu em 1972. Apesar de ter tido apenas nove edições, ela trouxe uma grande renovação gráfica e temática aos quadrinhos brasileiros, abrindo espaço para a publicação de trabalhos que não podiam circular em outras revistas por questões políticas ou por causa de sua proposta experimental.

José Antonio Silva observa que era possível notar-se duas linhas de participação na revista Balão: "O trabalho ainda amadorístico, muitas vezes, do ponto de vista técnico, mas com uma carga de criatividade descompromissada, pesquisa. Foi um laboratório, do ponto de vista técnico e artístico, e também do ponto de vista de expressão do pensamento - e este é dos aspectos mais importantes."[10]

Um dos problemas das revistas alternativas de histórias em quadrinhos era a falta de periodicidade. Elas saíam quando era possível, quando se tinha dinheiro e material para ser publicado. Mesmo editadas de forma quase artesanal, os custos gráficos eram altos, com o agravante de que raramente podiam contar com recursos de publicidade nem com garantia de circulação. Ainda assim, contornando todas as dificuldades, revistas como Balão, que surgiram em todo o país, é certo que não davam lucro, mas muitas cobriam os custos de produção.

Em março de 1975 a editora Codecri, que editava O Pasquim, lança a revista O Bicho, sob o comando do cartunista Fortuna. Para Waldomiro Vergueiro, "sua proposta editorial era exemplar, representando o que de mais combativo existia nos nossos quadrinhos de então. Dela participavam desenhistas como Paulo Caruso, Luis Gê, Guidacci, Coentro, Márcio Sidnei, Lapi, Fortuna, além do argentino Quino e do norte-americano Crumb. O Bicho alcançou a marca de oito números publicados. Aliás, é de justiça destacarmos que os títulos de quadrinhos alternativos alcança­ram, via de regra, poucos números, devido à circulação restrita e ao número bastante limitado de consumidores."[11]

Outra excelente revista foi Grilo, lançada no início dos anos 1970. Ela circulava com o melhor dos quadrinhos internacionais para adultos e foi a responsável pela entrada no país dos quadrinhos underground, surgidos nos Estados Unidos no final dos anos 1960, e dos quadrinhos eróticos europeus. A revista Grilo, apesar de quase só veicular material estrangeiro - a exceção de Sérgio Macedo, que publicou uma história incompleta já nas últimas edições - representou uma significativa contribuição para a formação dos quadrinistas brasileiros, tendo, inclusive, influenciado os editores de muitas de nossas revistas alternativas.

Nesse período, em todo o país lançaram-se publicações alternativas de quadrinhos. Em 1973, no Rio de Janeiro, saía A Esperança no Porvir, com Milton Machado, Cao e Mauro Costa e em 1976 foi lançada Virus, com Leib, Beinder e Ricardo Leite. Em Belo Horizonte surgia UAI!, com Luppi, LOR e Nilson, entre outros; de Brasília tivemos Risco, em 1976, onde se desta­cava Jô Oliveira, um brasileiro de renome internacional.

No Nordeste podemos citar Ôxente, de João Pessoa, que era uma publicação coletiva de quadrinhos e humor financiada pelo Diretório Central dos Estudantes da UFPB. Essa revista, lançada em 1978, abordava temas essencialmente políticos sobre problemas da região. Tivemos também a revista Maturi, do Grupo de pesquisa de Histórias em Quadrinhos (Grupehq), de Natal; Baú de Cartuns, de São Luis e Pau de Arara, de Fortaleza.

As revistas alternativas de quadrinhos voltavam-se mais para a produção brasileira. Havia o protesto contra a invasão dos quadrinhos enlatados estrangeiros, publicados massivamente e de forma indiscriminada pelas grandes editoras. Em paralelo às revistas alternativas, outra forma de resistência ao fechado mercado editorial iniciou-se de maneira tímida em meados da década de 1960. Os boletins de fãs-clubes, surgidos nesse período, tomaram impulso no final dos anos 1970 e começo de 1980.

Chamados inicialmente de boletim e na década seguinte de fanzine, essas publicações especializaram-se em noticiar o que ocorria no mundo dos quadrinhos tanto no Brasil quanto no exterior. Elas abriam espaço para a troca e venda de revistas antigas, facilitando o intercâmbio entre colecionadores.

Com o tempo, os fanzines tornaram-se cada vez mais especializados, diversificados em suas temáticas, suas abordagens, seu formato e impressão. A disseminação dos fanzines por todo o país gerou uma intensa troca de in­formações e a formação de um público, ainda que restrito, ávido por conhecer e incentivar a produção de quadrinhos nacionais.

* MAGALHÃES, Henrique. O rebuliço apaixonante dos fanzines. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2003, p.11-22.


[1]. Raimundo Rodrigues PEREIRA, Vive a Imprensa Alternativa. Viva a Imprensa Alternativa! In Regina FESTA & Eduardo Lins da SILVA (org.). Comunicação Popular e Alternativa no Brasil. São Paulo: Edições Paulinas, 1986, p.61.
[2]. João ANTÔNIO. Escapada (Considerações em torno à censura imposta a um jornal alternativo, 'Movimento', nos anos 1975-1981). In Nicolau n° 6. Curitiba: dezembro 1987, p.10-13.
[3]. Regina FESTA. Movimentos Sociais, Comunicação Popular e Alternativa. In Regina FESTA & Eduardo Lins da SILVA. Op. cit., p.25.
[4]. Idem, ibidem.
[5]. Nicolas BEHR. VVAA. In 1° Encontro de Arte Brasileira In­dependente. São Paulo: janeiro 1981, p. 4.
[6]. Márcio ALMEIDA. In Arte Quintal n° 0. Julho/agosto 1987.
[7]. Glauco MATTOSO. O que é poesia marginal. São Paulo: Brasi­liense, 1981. p.8 e 9.
[8]. Socorro TRINDAD. A maioridade de um período que passou (?) (1964-1988). In O Galo n° 2. Natal: abril de 1988, p.18 e 19.
[9]. Idem, ibidem.
[10]. José Antonio SILVA. Opções e luta dos quadrinhos nacionais. In Movimento n° 103. 20 de junho de 1977, p.16.
[11]. Waldomiro de Castro Santos VERGUEIRO. História em Quadrinhos: seu papel na indústria de comunicação de massa. Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1985, fotocopiada.

Mídia alternativa: modo de usar


Alfredo Boneff*

Duas manchetes, sobre o mesmo assunto, são, respectivamente, de 16 e 18 de abril de 2007. Uma foi veiculada na Internet. A outra, em mídia impressa. A primeira: “Movimentos sociais agitam o interior do País”. Manchete dois: “MST invade país e pede audiência a Lula”.

Não deve ser difícil para o(a) leitor(a) mais atento(a) fazer distinções. Por exemplo: qual delas teve destaque no site de uma agência de notícias que se pode classificar como mídia alternativa? E ainda: qual foi publicada num dos jornais de maior circulação do Brasil?

Mais do que diferentes abordagens, as manchetes da agência “Adital” sobre os agitos do MST e do jornal “O Globo” – que menciona invasões e o pedido de audiência – são emblemáticas para o início de uma discussão sobre a mídia alternativa.

Afinal, qual sua natureza, importância e espaço no atual contexto das comunicações no país? Como sobreviver dentro das leis de um mercado dominado por grandes grupos empresariais? Existem pontos em comum entre a mídia dominante e a que se diz alternativa?

Representantes da chamada mídia alternativa (que por vezes repudiam tal termo), de veículos pertencentes à grande imprensa e teóricos da comunicação convergem pelo menos em algo: trata-se de um debate incipiente, que ainda precisa ser bastante amadurecido.

Outros compromissos

Primeiramente, talvez fosse elucidativo demonstrar algumas características específicas da comunicação alternativa e da comunicação dominante. Os termos são utilizados por Valério Cruz Brittos, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos, no Rio Grande do Sul, e presidente da seção brasileira da União Latino-Americana de Economia Política da Informação e da Comunicação (Ulepicc).

Em seu artigo “Comunicação dominante e alternativa: notas para uma análise a partir da economia política”, escrito em parceria com o também professor da Unisinos, Álvaro Benevenuto Jr, são apontadas, “sem redução conceitual”, algumas diferenças básicas.

No texto, uma das especificidades das empresas da mídia dominante seria o controle por meio de “sistemas privados ou estatais (democráticos ou autoritários) e ideologicamente ligadas às instituições de poder social, político e econômico, daí produzindo veículos voltados para públicos amplos (conteúdos generalistas) ou mais restritos (conteúdos segmentados)”.

De outro lado, a comunicação alternativa – mesmo com dinâmicas de produção muitas vezes semelhantes à dominante – estaria em outro campo, como oposição “ao pensamento único” e “ligada fortemente à denúncia social”.

Para Brittos, a natureza e a definição de comunicação ou mídia alternativa é um debate histórico, complexo. Mas alguns requisitos podem ser apontados. “Ela se caracteriza por ter outros compromissos, diferenciados da mídia hegemônica, que se traduzem em conteúdos de maior diversidade. São outras vozes e outros atores, outras formas de organização, diferentes do formato tradicional de organização das indústrias culturais”, analisa.

Mídia alternativa e história

Editor-chefe da Agência Carta Maior, Flávio Wolf de Aguiar recorre à história para abordar o que seria a mídia alternativa dentro de um contexto nacional. Ele cita o jornalista e diplomata Hipólito José da Costa (1774-1823), que fundou em Londres, em 1808, o “Correio Braziliense”, considerado o primeiro jornal brasileiro. “A mídia nasceu alternativa no Brasil. No jornal, ele defendia idéias liberais e a independência”, diz Aguiar.

O editor lembra ainda de jornais surgidos a partir de conflitos regionais como “O Povo”, diário oficial da Revolução Farroupilha, editado pelo jornalista italiano Luigi Rossetti.

Aguiar aponta a passagem do Império para a República Velha como o momento de consolidação de uma determinada natureza de empresas jornalísticas no país: “Eram empresas de caráter oligárquico, que defendiam o mundo das que então tinham orgulho em se proclamar ‘classes conservadoras’”.

Para ele, tal imprensa ganha força definitivamente ao apoiar o golpe militar de 1964, com práticas de autocensura e perseguição nas redações. “Só quando o regime ditatorial endureceu de vez e passou a censurá-la também foi que ensaiou passos na direção de se opor a ele, embora defendendo, por vezes, as mesmas idéias conservadoras”, afirma.

É nesse período que surge, na imprensa brasileira, o termo “alternativo”, caracterizando publicações oposicionistas ao regime militar como “O Pasquim” (1969), “Opinião” (1972), “Movimento” (1975) e “Em Tempo” (1977).

No ensaio “Imprensa alternativa: alcance e limites” o jornalista e professor Perseu Abramo (1929-1996) ressalta a dificuldade de caracterizar o verdadeiro papel de tais veículos nos anos 1960. “No sentido estrito do termo, essa imprensa nunca foi de fato alternativa à chamada grande imprensa ou imprensa burguesa, porque os leitores não dispensavam a leitura dos grandes periódicos, como ‘Correio da Manhã’ ou ‘Jornal do Brasil’, para se contentar com a leitura de ‘Opinião’ ou ‘Movimento’.”

Popular ou não-comercial?

Correspondente da agência de notícias IPS no Brasil, o jornalista Mario Osava concorda com Abramo. “Não gosto desse termo, pois esses veículos eram alternativos no sentido de oposição à ditadura. Mas eram voltados à mesma classe média. Apenas tinham uma conotação claramente política, ideológica, de esquerda. Hoje, existe uma grande variedade, uma montanha de publicações, é preciso encarar o assunto de forma mais complexa. Eu definiria este setor como não-comercial”, diz.

Na opinião de Nilton Viana, editor-chefe da agência “Brasil de Fato”, a definição mais adequada para este segmento seria o de “mídia popular”. “Seria aquela ligada a organizações populares, que tem compromisso com mudanças”, defende. Para Viana, uma efetiva democratização dos meios de comunicação no Brasil está relacionada diretamente à “existência de meios de comunicação capazes de refletir questões das sociedades locais”.

Mario Osava detecta incongruências nesta avaliação de mídia popular. “Minha agência até pode se encaixar nesse contexto de mídia alternativa. Mas ela, na verdade, faz o oposto do popular. Destina-se a um público até mais elitista do que a média; produz um tipo de informação dirigido mais a formadores de opinião, gente que já tem uma certa bagagem”.

Ex-editor da revista chilena “América Economia”, com passagens pelas redações de “O Globo”, “Jornal do Brasil” e “Gazeta Mercantil”, o jornalista Carlos Vasconcellos trabalha no momento em um projeto da área de comunicação da Petrobras. Na discussão sobre mídia alternativa, ele chama atenção para o fenômeno da Internet e seus desdobramentos.

“Normalmente se designa mídia alternativa a que não está vinculada a grupos corporativos de mídia, mas não creio que essa definição dê conta da variedade que a Internet está trazendo para a difusão e geração de informação. Hoje, a informação gerada em blogs ou de forma viral em sites abertos pode ter um impacto fenomenal”, analisa.

O professor Valério Cruz Brittos acrescenta que novos canais e mídias alternativas têm a capacidade de influenciar a mídia mais tradicional, caracterizando uma relação dialógica. “A mídia hegemônica trabalha hoje com laboratórios. Portanto, a absorção é inevitável. Mas são incorporações que obedecem a uma lógica de mercado”, adverte.

Ele cita como exemplos desta relação a micro-série “Hoje é Dia de Maria” e programas como “Central da Periferia”, da TV Globo, além de novelas como “Vidas Cruzadas”, da Record. Mas ressalva que estão longe se serem programas alternativos, apenas dialogam com mídias alternativas.

Ideologia e concentração

A auto-definição do Centro de Mídia Independente (CMI), em sua Política Editorial, como “uma rede anti-capitalista de produtores de mídia autônomos e voluntários” suscita pontos de vista divergentes quanto a determinados conteúdos da chamada mídia alternativa.

A relação entre ideologia e informação é uma das marcas do segmento, como demonstra o depoimento de Nilton Viana, da “Brasil de Fato”. “A mídia capitalista está concentrada nas mãos de meia dúzia de famílias e dita as regras de comportamento. A Brasil de Fato é um projeto político, nasceu das necessidades dos movimentos sociais. O MST foi propulsor da agência. Procuramos divulgar valores humanitários, socialistas”, afirma.

O quadro (faça o download), publicado no artigo de Valério Cruz Brittos, mostra que, de fato, a grande mídia no Brasil concentra-se em pequenos e tradicionais grupos. Para o pesquisador, isso caracteriza uma situação “que em nada se coaduna com o propósito de livre fluxo das informações e comunicação, além dos marcos mercadológicos”.

No entanto, Brittos alerta que o excesso de ideologização pode trazer conseqüências nefastas, perceptíveis em determinados veículos, ditos de esquerda, que “nem sempre trabalham dentro de um grau de democracia desejável”.

O jornalista Carlos Vasconcellos compartilha das críticas a publicações de linha editorial assumidamente ortodoxas. “Se por um lado é um canal de comunicação para esses grupos, muitos correm o risco de se isolar por radicalismo, sectarismo. Ou seja, falar apenas dentro do grupo, pregar para os convertidos à causa. E naturalmente, ficarem muito, muito chatos”, aponta.

Vasconcellos levanta ainda a questão da diversidade nos veículos da grande imprensa. Afinal, em que grau ela existe? “Menos do que deveria haver”, diz. “Mas existe, ao contrário do que muitos que militam contra a grande mídia acreditam. Ela é sim, muito concentrada e temos pouca mídia regional forte no país, o que é ruim”.

Flávio Aguiar rebate tais argumentações. Ele lembra da função das mídias alternativas de divulgar pontos de vista que não costumam ter espaço nos grandes veículos. “São conteúdos pouco privilegiados na ‘grande imprensa’. É a sociedade vista a partir dos movimentos sociais. Alguns, como o MST, demonizados na “grande imprensa”. Por vezes, a imprensa alternativa antecipa pautas que acabam se tornando decisivas. Veja o caso do meio ambiente. Na época da ditadura, meio ambiente era tema que dava cadeia, era censurado. Mas na imprensa alternativa ele aparecia”.

Penúria e inovação

A agência Carta Maior vem passando por uma grave crise financeira. No final de 2006, diversos contratos de patrocínio e de anúncios expiraram e os funcionários(as) ficaram meses sem receber salários. De acordo com Flávio Aguiar, o cenário tornou-se mais animador recentemente, quando uma empresa do setor privado interessou-se em fazer um contrato de publicidade com a revista. “É uma abertura rara e uma visão democrática. Isso pode levar a práticas muito inovadoras no setor”, acredita.

Inovação é justamente o que defende Mario Osava ao mencionar as dificuldades vividas por agências como Carta Maior e Adital. O momento de repensar fomentos ao setor é dos mais pertinentes, justamente quando o nosso sempre surpreendente Congresso ameaça aprovar o projeto do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), de incluir igrejas no Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac).

Osava propõe novas modalidades de financiamento para a mídia alternativa, que poderiam vir das verbas de publicidade do governo para a comunicação. “São veículos que não podem viver da forma tradicional de publicidade, que nunca vão conseguir anúncios. Existem políticas especificas para a agricultura, existem incentivos fiscais à cultura. Mas quanto à mídia, ninguém pensa nisso, está entregue às baratas. Nesse caso, não chega a ser nem neo-liberalismo. É liberalismo total, a lógica de quem pode mais”, aponta.

De acordo com Valério Brittos, uma das possibilidades de sobrevivência para o segmento seria a construção de modelos diferentes do empresariado tradicional. “Funcionariam com gestões pulverizadas. Também poderia haver financiamentos por meio de leis e a formação de um fundo de recursos vindos até mesmo do próprio mercado”.

Para Carlos Vasconcellos, o momento é de repensar diretrizes até mesmo para a mídia tradicional. A médio prazo, isso poderia resultar num cenário de comunicação bem diferente do atual. “Muita gente se questiona se haverá espaço comercial para a mídia tradicional, especialmente a mídia impressa, que vive uma grande crise de público. Nesse sentido, a mídia alternativa tem uma grande janela de oportunidade com a Internet. Acho particularmente que a grande mídia sobreviverá a essa crise, mas num mundo muito diferente do que estamos acostumados, no qual a mídia alternativa terá um grande papel”.

TV pública: independente ou chapa branca?

A iminente criação de uma rede pública de TV no Brasil é outro ponto que gera expectativa entre representantes da mídia alternativa. Nas projeções de como seria este novo canal torna-se evidente a decepção generalizada no que diz respeito à atuação do governo Lula no setor das comunicações.

Nilton Viana acredita que o projeto ainda precisa de muita discussão e amadurecimento para sair do papel. “É fundamental diferenciar o caráter público do estatal, para não se transformar numa TV chapa branca. Vai depender da estruturação, da forma de gestão”.

O editor da “Brasil de Fato” faz tais considerações baseado nas críticas ao governo que, para ele, ficou muito aquém das expectativas: “Não decepciona apenas na área de comunicação, mas de forma geral. Apesar de pequenos avanços na área social, é um governo apático e neo-liberal, refém das estruturas das elites, vide a repressão às rádios livres pela Polícia Federal”, dispara.

Mário Osava percebe a possibilidade da rede pública de TV como um campo de discussão sobre a mídia em geral. “Acredito que uma TV estatal e não-privada seja necessária. O papel da mídia alternativa dentro dessa rede também poderia entrar na pauta”.

O professor Valério Brittos também é favorável à existência da rede pública, com a ressalva de que seja um canal efetivamente público e não do executivo. “Para isso, existe a Radiobras. Essa TV poderia ser uma plataforma para a mídia alternativa. Mas não se pode esquecer que o governo do PT tende a instrumentalizar. É preciso, portanto, uma boa regulamentação e a gerência de um conselho”.

Pluralidade

Independentemente do modo de funcionamento da futura rede de TV, Mario Osava sintetiza um pensamento comum aos que militam na mídia, em suas variadas tendências, ideologias e matizes. “É preciso dar pluralidade aos meios de comunicação no Brasil. Temos vários veículos comerciais girando todos no mesmo mundo”.

O trecho final do artigo de Brittos e Benevenuto Jr também aponta neste sentido, concretizando-se em importante alerta para quem participa e vive da e pela mídia alternativa: “Se a história dos movimentos sociais não se separa da história da comunicação alternativa, o desafio para esse setor da sociedade é, cada vez mais, estar interagindo nos ambientes tecnológicos que têm sido criados pela própria estrutura de manutenção do capitalismo contemporâneo e buscar formas de liberar o acesso à informação”.

*Jornalista, colaborador do Ibase Publicado em 20/4/2007.

http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=1776

O que é alternativo*


Definir o que se entende por alternativo sempre suscitou muita controvérsia. Para alguns, a publicação alternativa deveria partir de uma iniciativa independente, nunca financiada por qualquer órgão público; deveria ser uma contraposição ao que é convencional; Para outros, se caracteriza por apresentar uma posição ideológica contestadora ou revolucionária; poderia definir-se, também, pela forma de se transmitir a mensagem.

É certo que para as publicações alternativas não existe uma definição precisa, muito embora possamos apontar aspectos alternativos em determinados veículos de comunicação. Podemos classificar a comunicação alternativa a partir da ênfase dada ao emissor, ao meio, ou ao receptor, aos objetivos que se deseja alcançar bem como à própria linguagem utilizada.

Há quem defina comunicação alternativa como comunicação popular. Outros a consideram como comunicação marginal, ou fora do sistema, como as rádios e TV livres, ou ainda como a comunicação ideológica em oposição ao sistema capitalista, em particular nos países do Terceiro Mundo.

Para Miquel de Moragas e Emílio Prado, a comunicação alternativa é um processo que permite uma inversão do signo a respeito da comunicação dominante. Esta inversão pode situar-se em diversos níveis e funções comunicativas: em nível de seu conteúdo, da natureza do processo que se estabelece e, por conseguinte, da função social que se deriva dos anteriores aspectos
[1].

Fernando Reys Matta classifica a comunicação alternativa em três níveis de meios e ações: "Los microalternativos, los intermedios y los macroalternativos. Los pri­meiros actúan en los espacios de base más inmediatos y populares; los intermedios en los niveles nacionales y de alcance masivo; los macroalternativos construyen dimen­siones contestatarias al modelo capitalista transnacional en los grandes espacios regionales y mundiales. Cada uno tiene su especificidad y a cada uno corresponden tareas distintas."[2]

Para Fernando Reys, não pode haver comunicação alternativa sem uma prática social que a justifique. Em seu conceito, voltado para os meios de comunicação de massa, destaca-se a mensagem como fator preponderante para a classificação do que seja comunicação alternativa. No contexto de dominação imperialista, sobretudo na América Latina, os alternativos se caracterizam pela criação de uma expressão própria, de um mundo cultural renovador e uma resistência cultural frente ao processo de dominação internacional. Nesse âmbito, a comunicação alternativa é vista sob vários ângulos e corresponde a realidades e contextos sociológicos diferenciados.

Em outras esferas, como as das manifestações artísticas, que não se enquadram precisamente entre os meios de comunicação de massa, formas alternativas de produção e interpretação da realidade também se manifestaram há tempos e de forma ainda mais radical. Fontcuberta e Mompart nos lembram que o surrealismo e o dadaísmo, por exemplo, foram movimentos que propuseram uma alternativa global à vida[3].
Com freqüência, o termo alternativo tem sido usado para identificar os meios de comunicação utilizados pela esquerda, como jornais, panfletos, audiovisuais, filmes proletários ou ligados a sindicatos, em contraposição à política oficial. Mas é também usado para designar as publicações de produção artesanal, feitas em mimeógrafos, fotocópias e serigrafias, com críticas ao sistema capitalista e à sociedade dita burguesa.

O que é considerado alternativo em um país pode representar apenas uma forma estabelecida de comunicação em outro, dependendo do sistema político vigente. Diante da ambigüidade do termo e da dificuldade de se estabelecer um conceito preciso, recorremos a uma definição de Fontcuberta e Mompart sobre os fatores que podem determinar o que seja alternativo:

"Lo alter­nativo en comunicación no existe como definición estable ni puede existir. Lo alternativo depende de la coyuntura concreta de cada panorama comunicativo. Más que hablar de comunicación alternativa hay que referirse a elementos alternativos en la comunicación."[4]

Os elementos alternativos da comunicação, por sua vez, podem ser classificados em linguagem, mensagem e forma de produção. Em princípio, todos os meios se pres­tam à comunicação alternativa, dos mais artesanais, como a impressão em mimeógrafo e serigrafia, aos meios eletrônicos, mais avançados em termos tecnológicos, como o rádio, a televisão e a informática. Nos anos 1980 assistimos a um verdadeiro assalto aos meios eletrônicos, subvertendo-se o sistema de produção estabelecido. Rádios e televisões livres entra­ram no ar por intermédio de cooperativas e de grupos independentes, fora das prerrogativas de concessões oficiais.

A utilização desses meios, pelo caráter de contravenção e desobediência à concessão estatal das ondas eletromagnéticas, já poderia ser considerada alternativa. Além disso, essas cooperativas pro­curaram fugir à massificação das rádios FM e grandes redes de televisão, gerando uma linguagem irreverente, satírica e fora dos padrões do bom gosto habitual. Neste caso, temos a confluência dos três elementos que distinguem uma comunicação alternativa: a forma de produção associativa, administrada por cooperativas, a linguagem diferenciada dos padrões convencionais e a mensagem de contestação ao sistema estabelecido.

As publicações alternativas partiam desse mesmo princípio. Tanto os jornais da década de 1970 quanto as re­vistas em quadrinhos e as coletâneas literárias tinham por trás de sua produção equipes de escritores, de desenhistas ou de jornalistas que trabalhavam sob uma organização democrática, sem a rigidez dos papeis e funções estabelecidos na imprensa convencional.

Com o tempo, porém, este tipo de produção e organização mostrou-se incapaz de responder às exigências do mercado. A periodicidade a ser mantida, os custos gráficos cada vez mais altos, a falta de experiência empresarial e mesmo os conflitos que uma relação de trabalho igualitária provoca, acaba­ram mostrando, na prática, o árduo caminho que as publicações alternativas tinham que trilhar para se firmar.

A saída para a manutenção de algumas publicações foi partir para uma forma de produção mais aproximada da convencional, assumir uma estrutura de empresa com divisão de trabalho bem determinada e se apoiar no mercado publicitário. Esta foi a fórmula encontrada por O Pasquim para sobreviver ao esfacela­mento da imprensa alternativa na década de 1980.

Se a forma de produção é um dos fatores determinantes para a comunicação alternativa, o conteúdo - ou a mensagem - é funda­mental para que possamos classificá-la como tal. Por outro lado, a linguagem tem sua importância formal, sobretudo quando não está vinculada a uma forma de produção e mensagem conservadoras.

Dentre os elementos que caracterizam as publicações alternativas, ressalta­mos, portanto, a mensagem como o mais importante, por seu conteúdo reflexivo e questionador. No entanto, vale lembrar que quanto maior a confluência de todos os elementos, maior seu poder de transformação.

A imprensa alternativa, embora tenha ficado marcada no Brasil como uma forma de oposição ao regime militar de 1964, possui uma amplitude muito maior que esta circunstância política. Se nos anos 1960 e início da década de 1970 essa imprensa centrou fogo na contestação ao sistema político, logo se abriu para outras temáticas, como os problemas comunitários das associações de bairros e a luta de afirmação dos grupos sociais discriminados – as chamadas minorias.

A imprensa alternativa é, também, o canal de ex­pressão dos setores oprimidos da sociedade, que não encontram espaço de reflexão e manifestação na imprensa convencional. Sua denominação foi proposta pelos jornais Bondinho e EX. - mais ligados aos aspectos formais da imprensa -, que em 1970 classifica­ram de imprensa alternativa as publicações populares, democratizadas em seu processo de produção, de denúncia e apresentação de novas propostas editoriais.

* MAGALHÃES, Henrique. O rebuliço apaixonante dos fanzines. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2003, p.23-26.


[1]. Miquel de MORAGAS y Emílio PRADO, citados por Mar de FONTCUBERTA & J. L. Gomez MOMPART. Alternativas en Comunicacion. Barcelona: Editorial Mitre, 1983, p. 21.
[2]. Fernando Reys MATTA, citado por Mar de FONTCUBERTA & J. L. Gomez MOMPART. Op. cit. p. 22.
[3]. Mar de FONTCUBERTA & J. L. Gomez MOMPART. Op. cit. p. 24.
[4]. Idem, ibidem, p. 26.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Socialidade nas mídias


Universidade Federal da Paraíba
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Comunicação - PPGC

Disciplina: Socialidade nas mídias
Período: 2008.2 - Créditos: 4 - Carga horária: 60h/aula
Professor: Dr. Henrique Magalhães
(83) 8803.5030 – henriquemais@gmail.com


1. Ementa


As formas de agrupamentos sociais a partir das produções midiáticas alternativas. A estética das mídias comunitárias e sua diversidade: rádio e TV comunitária, grafite, teatro de rua, fanzine, quadrinhos, cartaz, mural.


2. Objetivos

Geral
Fomentar a discussão sobre as mídias alternativas e independentes e seu papel contestador, além de instrumento mobilizador dos grupos comunitários.

Específicos
Definir mídia alternativa e sua relação com a mídia de massa e a indústria cultural.
Investigar o alcance das mídias alternativas e seus vários campos de atuação.
Traçar um paralelo entre as mídias alternativas e os movimentos sociais.
Analisar a imprensa alternativa e sua força de resistência.
Situar as mídias alternativas frente às novas tecnologias.

3. Conteúdo programático

I – Alternativos e independentes:
1. O que é alternativo.
Conceitos sobre mídia alternativa.
2. Imprensa alternativa e outras expressões culturais.
Os tablóides e nanicos e a contraposição à ditadura militar.
Jornais e revistas de gêneros, etnias e resistência cultural.
3. Fanzines/cultura zine.
História dos fanzines no Brasil e no mundo. A cultura zine e a mídia.
4. Independentes e renovadores.
Quadrinhos além do mercado. A experimentação gráfica e textual.
5. Novos suportes imateriais.
Interfaces audiovisuais. Cinema, vídeo, jogos, internet.

II – Outras leituras em quadrinhos:
1. Underground & udigrudi.
A revolução da contracultura e sua expressão local.
2. O discurso político dos quadrinhos.
Quadrinhos contestatórios. Henfil, Quino, Lor, Rius.
3. HQ brasileira e resistência.
Pequenos editores e mercado.
4. Editoras independentes.
Novas frentes de produção, novo mercado.
5. Tiras como gênero jornalístico
As tiras e o discurso do quotidiano.

III – Culturas audiovisuais:
1. Cinema direto e indireto.
Documentário antropológico versus carnavalização.
2. Rádio e vídeo comunitários.
3. Artes gráficas e visuais.
4. Cultura popular e midiática.
5. Reinventando a folia.

4. Metodologia

O curso terá como base aulas expositivas com apoio de textos e materiais audiovisuais. Será incentivada a discussão a partir de leitura da bibliografia indicada, com exercícios individuais e apresentação de trabalhos em grupo. Os debates acontecerão por meio de seminários e mesas-redondas, com estímulo à participação da audiência.

5. Avaliação

Contará para a avaliação as atividades desenvolvidas em sala de aula, a participação em mesas-redondas e painéis. As apresentações devem ser seguidas de debates com a turma, bem como sugestões para reflexões futuras. Para a avaliação final do curso, cada aluno deverá apresentar um ensaio com abordagem pertinente ao conteúdo estudado.

6. Referências


ALBERNAZ, Bia, PELTIER, Maurício (orgs). Almanaque de fanzines: o que são por que são como são. Rio de Janeiro: Arte de Ler, s.d.
BAGNARIOL, Piero e outros. Guia ilustrado de Grafitti e Quadrinhos. Belo Horizonte: 2004.
BOURDIEU, P. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
CALAZANS, Flávio Mário de Alcântara (org). As Histórias em Quadrinhos no Brasil: teoria e prática. Coleção GT Intercom nº 7. São Paulo: Unesp, 1997.
CIRNE, Moacy. História e crítica dos quadrinhos brasileiros. Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Arte, Edição Europa, 1990.
DORFMAN, Ariel, MATTELART, Armand. Para ler o Pato Donald: comunicação de massa e colonialismo. São Paulo: Paz e Terra, 1977.
DOWNING, J.D. Mídia Radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. S. Paulo: SENAC, 2002.
FRANCO, Edgar Silveira. HQtrônicas: do suporte papel à rede Internet. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2004.
GROENSTEEN, Thierry. História em Quadrinhos: essa desconhecida arte popular. Coleção Quiosque nº 1. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2004.
GUIMARÃES, Edgard. Fanzine. Coleção Quiosque nº 2, 3ª ed. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2005.
GUIMARÃES, Edgard. O que é História em Quadrinhos Brasileira. Coleção Quiosque nº 12. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2005.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2000.
LIRA, Bertrand. No ar: as pequenas notáveis. João Pessoa: Marca de Fantasia; Editora Universitária UFPB, 1998.
LUYTEN, Sonia M. Bibe. História em Quadrinhos: leitura crítica. São Paulo: Paulinas, 1984.
MCCLOUD, Scott. Reinventando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books, 2005.
MCLUHAN, Marshall. Os meio de comunicação como extensão do homem. São Paulo: Cultrix, 1979.
MAGALHÃES, Henrique. Humor em pílulas: a força criativa das tiras brasileiras. Coleção Quiosque nº 16. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2006.
MAGALHÃES, Henrique. A mutação radical dos fanzines. Coleção Quiosque nº 9. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2005.
MAGALHÃES, Henrique. A nova onda dos fanzines. Coleção Quiosque nº 7. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2004.
MAGALHÃES, Henrique. O rebuliço apaixonante dos fanzines. João Pessoa: Marca de Fantasia/Editora Universitária, 2003.
MOYA, Álvaro de. História da história em quadrinhos, 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.
NICOLAU, Marcos. Tirinha: a síntese criativa de um gênero jornalístico. Coleção Quiosque nº 19. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2007.
PIGNATARI, Décio. Contracomunicação. Debates, vol. 44, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1973.
PRADO, J.L.A. Crítica das práticas midiáticas: da sociedade de massa às ciberculturas. S. Paulo: Hacker Editores, 2002.SRBEK, Wellington. Quadrinhos & outros bichos. Coleção Quiosque nº 17. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2006.